Prefeitura Municipal de Sant?Ana do Livramento Cidade Símbolo da Integração do Mercosul Secretaria Municipal de Educação PROTOCOLO DE ENFRENTAMENTO AO RACISMO NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE SANT?ANA DO LIVRAMENTO Sant?Ana do Livramento, 17 de outubro de 2025. APRESENTAÇÃO Este protocolo tem como base o Estatuto da Igualdade Racial, as Leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais (Resolução CNE/CP nº 1/2004 e Parecer CNE/CP nº 3/2004). O Estatuto da Igualdade Racial é o principal instrumento normativo no Brasil que estabelece a efetivação da igualdade de oportunidade, a garantia e defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnico-racial. Com base nesse estatuto e em leis que consistem em reduzir as desigualdades raciais no Brasil, com ênfase na população negra, elaborou-se este Protocolo de Enfrentamento ao Racismo nas Escolas Municipais de Sant?Ana do Livramento, pois a educação, enquanto formadora de caráter, possui um papel fundamental na busca por meios de fazer com que alunos, professores, pais e a escola compreendam melhor sobre o assunto étnico-racial, visando a conhecer as causas e as consequências sobre tudo que permeia o combate ao racismo. OBJETIVO O presente protocolo tem o objetivo de prevenir e enfrentar ativamente toda e qualquer expressão de preconceito no ambiente escolar, com ações pedagógicas, institucionais e comunitárias, promovendo a equidade racial e a educação antirracista, assegurando que a comunidade escolar compreenda, reconheça e combata o racismo em todas as suas formas, valorizando a história, a diversidade, a cultura e a identidade afro-brasileira e africana, enfatizando a realidade local de cada instituição de ensino do município de Sant?Ana do Livramento. PÚBLICO-ALVO Comunidade Escolar da rede Municipal de Ensino: ? Alunos da educação infantil etapa creche (de zero a três anos de idade); ? Alunos da educação infantil etapa pré-escola (de quatro a cinco anos de idade); ? Alunos do ensino fundamental I (de 1º a 5º ano); ? Alunos do ensino fundamental II (de 6º a 9º ano); ? Alunos do ensino fundamental modalidade EJA ? Educação de Jovens e Adultos (totalidades 1 a 6); ? Gestores Escolares; ? Professores; ? Funcionários (Secretário de Escola, atendente, cozinheiro, servente I e II); ? Pais e/ou responsáveis. EQUIDADE RACIAL NA ESCOLA Primeiramente, deve-se reconhecer que o racismo é um elemento estruturante da sociedade brasileira, tornando-se inquestionável com o passar no tempo. A escola deve dar visibilidade à diversidade étnico-racial, propondo ações para combater todo e qualquer tipo de preconceito e contradições existentes no ambiente escolar, assim como fora dele. De acordo com de Bel Santos Mayer (2019), uma gestão antirracista se compromete com o enfrentamento ao racismo, promovendo ações que favoreçam pessoas a saírem da omissão, da negligência e do silêncio diante das discriminações e desigualdades raciais, alterando a realidade, por meio do conhecimento da história e cultura afro-brasileiras. O professor tem um papel muito importante no que se refere ao combate ao preconceito racial, pois, assim ele é um agente mediador que ao perceber formas de discriminação entre os educandos, deve intervir, a fim de que cada vez menos, essas práticas aconteçam em uma escola. A gestão, muitas vezes, ao tentar construir equidade racial no ambiente escolar, enfrenta grandes desafios. Acredita-se que o maior deles sejam educadores que pouco se importam com a presença da história e cultura afro-brasileira e africana contidos não só nos planos escolares, mas também na vida dos alunos. Além disso, muitos negam a desigualdade racial, dificultando o enfrentamento e combate ao racismo nas redes escolares. Mesmo com essas contradições, precisa-se estar disposto a contribuir com o desenvolvimento de uma postura antirracista, elevando a autoestima dos estudantes que reconhecerão a importância da sua cultura e história, reduzindo assim a evasão escolar dos alunos afrodescendentes. Com base em estudos realizados pelos gestores escolares e Secretarias Municipais de Educação de todo país, especificamente guiados pela obra ?Direção para os novos espaços e tempos da escola?, de organização de Roberta Panico e Tereza Perez, traçou-se ações para a construção de ambiente escolar antirracista, de acordo com os seguintes passos: AÇÕES PARA UM AMBIENTE ESCOLAR ANTIRRACISTA 1. Documentos orientadores 2. Indicadores externos de visibilidade às desigualdades raciais na escola 3. Estudo dos indicadores internos para dar visibilidade às desigualdades raciais na escola 4. Formação continuada dos profissionais da escola 5. Diversificação de recursos pedagógicos e didáticos 6. Combate diário a práticas racistas e discrimina tórias 7. Documentos escolares que registrem uma gestão antirracista. 1. Documentos orientadores (conhecimento sobre legislação) Conhecer e divulgar a legislação que orienta práticas antirracistas é imprescindível para o combate ao racismo no ambiente escolar. 2. Indicadores externos de visibilidade às desigualdades raciais na escola Para entender o panorama da desigualdade racial, é preciso verificar e analisar o que sistematiza a desigualdade social na comunidade escolar, no bairro, no município, etc. O levantamento desses dados permite traçar um diagnóstico para que se possa enfrentar e combater o problema. Os indicadores externos apresentam uma análise das desigualdades com base nas informações apresentadas pelo Censo Escolar. 3. Estudo dos indicadores internos para dar visibilidade às desigualdades raciais na escola. Conhecer e analisar dados e informações fornecidas à escola por meio da ficha de matrícula, como raça/cor, familiares, responsáveis pelo estudante; declaração e/ou autodeclaração; trajetória escolar, etc. Esses instrumentos de acompanhamento ao educando visam garantir a equidade e qualidade da educação. 4. Formação continuada dos profissionais da escola Faz-se necessário o oferecimento de cursos de formação aos professores e demais profissionais da escola para que, juntos à equipe gestora, transcorram sobre práticas e ações antirracistas no ambiente escolar, buscando a construção e ampliação de repertório sobre a temática. 5. Diversificação de recursos pedagógicos e didáticos Deve-se mapear materiais didático existentes na escola (e/ou comunidade) para que os docentes e discentes coloquem em prática no cotidiano escolar. Também deve-se adquirir brinquedos, jogos, bonecas, mapas, livros, instrumentos musicais, entre outros que respeitem e promovam a diversidade e relações étnico-raciais. 6. Combate diário a práticas racistas e discriminatórias A instituição deve traçar, em seu protocolo/plano, o encaminhamento de situações de racismo e discriminação, rompendo o silêncio, devendo criar estratégias para o reconhecimento das vítimas da violência e a realização de intervenções pedagógicas. 7. Documentos escolares que registrem uma gestão antirracista Todas as ações devem estar materializadas nos documentos escolares ? Projeto Político-pedagógico (PPP), deste modo, e com a participação de todos, a escola deixará de silenciar sobre as desigualdades raciais na educação. O racismo está na origem das desigualdades sociais do Brasil, combatê-lo é quebrar o ciclo histórico de violências acometidas contra a população negra. Por isso, inúmeros dados referentes à aprendizagem no Brasil são registrados nas diferentes esferas e sistemas de avaliação. Os caminhos para a equidade racial num contexto de recomposição das aprendizagens O diagnóstico que o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) apresentou em 2019 já revelava que a aprendizagem dos estudantes brancos para Língua Portuguesa era de 46% do esperado, ante 27% para os estudantes pretos. Em Matemática, os índices são ainda mais graves: de 25% para os brancos e apenas 11,9% para os pretos. Ou seja, o aprendizado para os alunos pretos era 1,6 vezes menor em Língua Portuguesa e duas vezes menor em Matemática. O ciclo fundamental, portanto, já era finalizado em 2019 com uma desigualdade racial muito forte. Por isso é de suma importância a equidade racial no contexto escolar, principalmente no centro da recomposição das aprendizagens, como expõe a Mestre em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC e Gestora de Políticas Públicas pela USP, Deloise Bacelar de Jesus: ?Com a pandemia, dada a perversa eficiência do racismo, as desigualdades que já existiam ficaram piores e, de quebra, passamos a ter menos informação sobre a perspectiva racial dos resultados educacionais. Podemos olhar para os dados do Saeb em São Paulo em 2020: alunos brancos e amarelos perderam a aprendizagem em cerca de 46% em relação ao que tinham antes da pandemia. Já estudantes pretos, pardos e indígenas perderam 63%. Isso se explica em grande parte pelo mito da democracia racial. Como no Brasil em geral não se acredita que existe racismo, o problema não é encaminhado, o que reforça o apagamento racial e o racismo escolar. Nossa sociedade normalizou o fato de as escolas brasileiras não falarem sobre raça e trabalharem o conhecimento de uma perspectiva eurocêntrica. Quando o estudante está na disciplina de História, por exemplo, ele vê a população negra como escravizada, mas não estuda o Quilombo dos Palmares, as civilizações africanas, ou até mesmo o papel dessas civilizações na construção da Matemática e das Ciências. Não são estudados autores negros, tampouco as personalidades negras de nossa História. Falta uma parte importante da História, da Matemática e das Ciências. Falta também um ambiente que ofereça o acolhimento, crie pertencimento e trabalhe melhor as oportunidades para que estudantes negros e negras possam se conhecer, reconhecer e desenvolver. O racismo escolar torna ainda mais crítica a relação desse aluno com a escola. As pesquisas existentes sobre vieses das relações étnicos raciais na sala de aula mostram que os professores se aproximam e dão mais afeto aos estudantes brancos, desde abraçar até orientar ou colocá- los para sentar mais à frente na sala de aula. Isso fica ainda mais evidente em avaliações padronizadas dos estudantes: alunos negros costumam se sair melhor do que na avaliação dos professores, ou seja, a crença do educador de que aquele estudante pode aprender é menor, uma questão de viés inconsciente. O próprio sistema, enfim, faz com que o estudante internalize o racismo e não acredite que ele é capaz de aprender ou que aquele é um ambiente seguro e onde ele pertence. A recomposição das aprendizagens pós -pandemia precisa ser planejada considerando este contexto. A busca por equidade racial é um alicerce para o sucesso das estratégias de recomposição. Para isso, precisamos descartar estratégias universalistas, que pensem todos os estudantes da mesma maneira. Se assim o for, os estudantes negros vão continuar ser ter seu direito a aprendizagem com equidade garantida. Se queremos ter bons resultados de aprendizagem, é preciso que as escolas tenham uma perspectiva antirracista e garantam que os estudantes negros, que são a maioria na rede pública, sintam que pertencem àquela comunidade. Aliás, estudos internacionais indicam que estudantes brancos também têm melhores resultados educacionais quando se discute identidade com uma perspectiva racial na escola.?. (JESUS, Deloise Bacelar, 2022) Primeiramente, é preciso estudar a estrutura já existente que são as Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que tornaram obrigatório o estudo da cultura e história indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino do Brasil. Os educadores dever ter o intuito de sempre se questionar sobre como fazer para que o aluno se apaixone pelo conteúdo com uma perspectiva que também seja relevante para a cultura e a vivência dele. Outro caminho importante é escutar as lideranças negras, convidar movimentos e seus agentes para construírem as estratégias de recomposição de aprendizagens que deve ser construída a partir de uma visão afrocentrada e antirracista. Passo a passo para proceder em casos de racismo na escola 1. Identificação e acolhimento da vítima ? Qualquer membro da escola (professor, funcionário, colega) que identificar situação de racismo deve comunicar à gestão escolar. ? A vítima deve ser imediatamente acolhida, com escuta ativa, empatia e sigilo. ? Registrar o relato por escrito (se possível, com assinatura da vítima ou testemunhas). 2. Encaminhamento à gestão escolar ? A direção e/ou Comissão da ERER (Educação para as Relações Étnico- Raciais) deve ser informada imediatamente. ? Registrar o ocorrido em livro de ocorrências e na ficha individual do aluno (ou servidor). ? A escola deve notificar o Conselho Tutelar, se envolver aluno menor de idade, e a Secretaria Municipal de Educação. 3. Comunicação à família ou responsáveis ? A escola deve convocar os pais/responsáveis da vítima e do(s) envolvido(s), promovendo reunião de escuta e esclarecimento. ? A abordagem deve ser pedagógica e não punitiva, respeitando o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). 4. Abertura de procedimento administrativo (se necessário) ? Em casos mais graves ou reincidentes, deve-se abrir processo interno de apuração, seguindo a legislação municipal e diretrizes da Secretaria de Educação. ? Avaliar a necessidade de envolver o Ministério Público ou Polícia Civil (Lei 7.716/1989 ? crimes de preconceito de raça ou cor). 5. Intervenção pedagógica imediata ? Realizar atividades pedagógicas reparadoras, como rodas de conversa, oficinas temáticas, releitura de obras, estudo de caso etc. ? Inserir a temática nas aulas, considerando a transversalidade das relações étnico-raciais (conforme Parecer CNE/CP nº 3/2004). 6. Registro oficial da ocorrência ? A escola deve manter documentação atualizada das ocorrências envolvendo discriminação ou racismo. ? Relatórios devem constar no Projeto Político-Pedagógico (PPP), como evidência das práticas antirracistas institucionais. 7. Acompanhamento contínuo ? A gestão escolar deve acompanhar a vítima e o agressor com mediação de conflitos e suporte emocional. ? Equipe pedagógica deve avaliar impactos no desempenho escolar e propor planos de apoio. Principais estratégias antirracistas na escola Etapa Estratégia Objetivo 1 Conhecimento da legislação Garantir que todos saibam seus direitos e deveres. 2 Levantamento de indicadores externos Mapear desigualdades na comunidade escolar e local. 3 Análise de indicadores internos Avaliar dados raciais nas matrículas e trajetórias. 4 Formação continuada Capacitar professores e gestores em práticas antirracistas. 5 Diversificação de materiais didáticos Garantir representatividade e valorização da cultura afro. 6 Combate diário ao racismo Criar uma cultura institucional de enfrentamento. 7 Inclusão no PPP e demais documentos Tornar a luta antirracista uma diretriz permanente da escola. Considerações Finais A educação das relações étnico-raciais deve perpassar todas as áreas do conhecimento, promovendo a valorização da identidade negra, o combate ao racismo e a construção de uma sociedade democrática e plural. Essa premissa, estabelecida pelo Parecer CNE/CP nº 3/2004, norteia a elaboração e a implementação deste Protocolo de Enfrentamento ao Racismo nas Escolas Municipais de Sant?Ana do Livramento. A aplicação efetiva deste protocolo requer o comprometimento de toda a comunidade escolar para que ações preventivas, educativas, reparadoras e transformadoras sejam desenvolvidas de forma contínua. Dessa maneira, buscamos garantir que as escolas sejam espaços seguros, acolhedores e de pertencimento, onde o aprendizado possa acontecer em um ambiente livre de discriminação e preconceito. Reconhecer a diversidade é valorizar as múltiplas identidades que compõem a sociedade brasileira, reforçando a importância de uma educação antirracista como ferramenta essencial para a promoção da justiça social, da equidade e do respeito à dignidade humana. Assim, o município de Sant?Ana do Livramento reafirma seu compromisso com a construção de uma cultura escolar pautada no diálogo, na inclusão e no enfrentamento firme ao racismo em todas as suas formas. LEGISLAÇÃO E DOCUMENTOS ORIENTADORES ? Lei n o 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei n o 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. ? Resolução CNE/CP Nº 1/2004 - Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. ? A Lei nº 11.645, de 10 março de 2008 torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, porém não prevê a sua obrigatoriedade nos estabelecimentos de ensino superior para os cursos de formação de professores (licenciaturas). ? Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana ? criado em 2013 pelo Ministério da Cultura. ? Parecer CNE/CP nº 3/2004 ? aprovado em 10 de março de 2004, institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico- Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Este documento é fundamental para a implementação de práticas pedagógicas que promovam a equidade racial no ambiente escolar. Representante do Grupo de Trabalho PNEERQ Programa Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolas Quilombolas